Governo Lula já trata tarifas como realidade e não espera recuo de Trump
Trump diz que vai acabar com o BRICS se o bloco avançar com a proposta de substituição do dólar nas negociações comerciais Integrantes do círculo mais pr...

Trump diz que vai acabar com o BRICS se o bloco avançar com a proposta de substituição do dólar nas negociações comerciais Integrantes do círculo mais próximo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já trabalham com a hipótese de que o presidente americano, Donald Trump, não recuará desta vez e que as tarifas de 50% sobre produtos brasileiros anunciadas por ele deverão, de fato, entrar em vigor a partir de 1º de agosto. Oficialmente, porém, o governo ainda aposta em uma saída via negociação, apesar de ver a possibilidade de um acordo distante, neste momento. 📱Baixe o app do g1 para ver notícias em tempo real e de graça Segundo três fontes ouvidas pela BBC News Brasil em caráter reservado, os sinais enviados pela Casa Branca nos últimos dias foram interpretados no Palácio do Planalto como demonstrações de que, ao menos por enquanto, o governo americano estaria disposto a levar as ameaças de tarifas sobre produtos brasileiros adiante. Entre estes sinais estão as declarações e postagens de Trump sobre o Brasil nos últimos dias e a decisão do governo norte-americano de revogar vistos para ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), entre eles, Alexandre de Moraes, e para o Procurador-Geral da República, Paulo Gonet. A possibilidade de um recuo de Trump, total ou parcial, ainda não é totalmente descartada por integrantes do governo, uma vez que Trump voltou atrás em outros casos como no das tarifas impostas à China e a outros parceiros comerciais desde que iniciou sua nova política tarifária, em abril deste ano. Mas segundo as fontes consultadas pela reportagem, a possibilidade de uma flexibilização das tarifas ou mesmo um adiamento no caso brasileiro teria ficado mais distante nos últimos dias. Com pouco mais de 10 dias até a data estipulada por Trump para o início das tarifas, o governo pretende manter sua atuação em três pilares: manutenção das negociações formais; sensibilização de políticos e empresários norte-americanos sobre impactos da medida; e preparação para eventual retaliação. Integrantes do governo Lula ouvidos pela reportagem tratam as tarifas anunciadas por Donald Trump como uma realidade e avaliam como remota a possibilidade de que o norte-americano recue da decisão REUTERS Sem recuo à vista Interlocutores do presidente sempre trataram um eventual recuo de Trump em relação às tarifas como uma possibilidade não tão remota assim. Esse foi um dos motivos, inclusive, pelos quais o governo tem evitado falar, de forma direta, de que maneira o governo retaliará caso as tarifas entre, de fato, em vigor. Em conversas informais, alguns deles lembravam a retórica do norte-americano em relação à China, México ou Canadá, três dos primeiros e principais alvos da política tarifária do presidente norte-americano. No caso da China, Trump começou anunciando tarifas de 10% que foram subindo até chegarem a 145%. Após a China responder elevando suas tarifas sobre produtos norte-americanos e impondo restrições à exportação de terras raras aos Estados Unidos, os dois países chegaram a um acordo e as tarifas a produtos chineses ficaram em 55%, em média. Trump também fez recuos em relação à União Europeia. Após anunciar tarifas de 50% sobre os produtos do bloco, em maio, ele adiou o início da cobrança das tarifas para o dia 9 de julho. Agora, a administração norte-americana negocia taxas sobre os produtos do bloco entre 15% e 20%. Mas segundo as fontes ouvidas pela BBC News Brasil, a possibilidade de recuo parece cada vez mais remota no caso brasileiro. A principal razão para isso estaria na motivação principal das tarifas ao Brasil. Um interlocutor do presidente afirmou que, diferentemente do que aconteceu com outros países, as tarifas de Trump ao Brasil teriam motivação essencialmente política e não econômica. Uma comprovação disso, segundo ele, seria o fato de que o Brasil tem déficit comercial US$ 410 bilhões com os Estados Unidos nos últimos 15 anos. A outra suposta comprovação desta tese é o fato de Trump ter vinculado, explicitamente, as tarifas sobre produtos brasileiros ao julgamento pelo STF no qual o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) é réu. Nenhuma das cartas divulgadas por Trump anunciando tarifas, diz esse interlocutor, mencionou qualquer fator da política interna dos países para justificar as tarifas. À medida que os Estados Unidos vincularam as tarifas ao fim do processo criminal contra Bolsonaro, afirma esse interlocutor, não haveria como acreditar que os norte-americanos estariam de fato interessados em algum tipo de negociação. E sem negociação, seria difícil supor que Trump possa recuar, apontou a fonte ouvida pela BBC News Brasil. "A forma como o Brasil tem tratado o ex-presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado em todo o mundo durante seu mandato, inclusive pelos Estados Unidos, é uma vergonha internacional. Este julgamento não deveria estar acontecendo. É uma caça às bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!", diz um trecho da carta assinada por Trump em que ele anunciou as tarifas ao Brasil. Donald Trump vinculou as tarifas anunciadas ao Brasil ao processo no qual Jair Bolsonaro é réu no STF GETTY IMAGES Outro interlocutor do presidente ouvido pela BBC News Brasil diz que, por conta dos sinais enviados pelo governo norte-americano até agora, o objetivo da administração Trump parece ser o de exercer algum tipo de influência sobre o processo eleitoral de 2026. Sob essa lógica, manter as tarifas ao Brasil e as sanções a membros do Judiciário seria uma forma de tentar desgastar o atual governo do presidente Lula e pressionar pela reabilitação eleitoral de Jair Bolsonaro para que ele possa disputar a presidência em 2026. A aposta seria em uma vitória de Bolsonaro ou de algum de seus aliados mais próximos para que o país ficasse alinhado aos interesses de Trump em áreas como acesso a minerais estratégicos e a regulação de plataformas de tecnologia. "Não estou surpreso em vê-lo liderando nas pesquisas; você foi um líder altamente respeitado e forte que serviu bem ao seu país [...] É minha sincera esperança que o Governo do Brasil mude de rumo, pare de atacar oponentes políticos e acabe com seu ridículo regime de censura. Estarei observando de perto", afirmou Trump em uma carta divulgada na sexta-feira (18/7), antes de Bolsonaro ser alvo de uma operação da Polícia Federal autorizada pelo STF e que determinou que o ex-presidente use uma tornozeleira eletrônica e fique sem acesso a redes sociais. Atualmente, Bolsonaro está inelegível por condenações pela Justiça Eleitoral e ele ainda é réu em um processo criminal que tramita no STF por seu suposto envolvimento em uma tentativa de golpe de Estado decorrente da sua derrota eleitoral em 2022. Bolsonaro, por sua vez, nega seu envolvimento em qualquer crime. Jair Bolsonaro foi alvo de uma operação da Polícia Federal na sexta-feira (18/7) e agora está obrigado a usar uma tornozeleira eletrônica. Ele classificou a ação como uma "suprema humilhação" EPA Negociação, sensibilização e… retaliação Com a possibilidade de recuo aparentemente distante, o governo mantém a estratégia de tentar manter, ao menos oficialmente, os canais de negociação com Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês), conduzidas atualmente pelo vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB). Desde o anúncio das tarifas, o governo vem realizando reuniões com representantes de setores econômicos como indústria, agronegócio e mineração para estudar alternativas às tarifas e estratégias para tentar revertê-las. Um dos focos do governo, segundo um dos integrantes do governo ouvidos pela BBC News Brasil, é fazer com que os empresários brasileiros acionem seus clientes nos Estados Unidos para que eles possam convencer parlamentares e membros do governo norte-americano sobre os impactos das tarifas a produtos brasileiros. Uma das apostas tem sido a reforçar a tese de que as tarifas ao Brasil terão impactos diretos em aspectos corriqueiros da vida do norte-americano médio como o café da manhã, à medida em que produtos como o café e o suco de laranja brasileiros chegarão ao país mais caros. Outra via que está sendo explorada é o envio de uma missão parlamentar aos Estados Unidos, liderada pelo senador Nelsinho Trad (PSD-MS). Um grupo de oito parlamentares vai a Washington nos próximos dias para tentar convencer parlamentares norte-americanos e pressionar o governo Trump contra as tarifas. Um membro do governo ouvido pela BBC News Brasil em caráter reservado disse que estabelecer canais de comunicação com o governo Trump tem sido uma das principais dificuldades encontradas pelo governo. Segundo ele, as decisões sobre as tarifas não teriam sido definidas por meio dos canais tradicionais como a equipe profissional do Departamento de Estado ou mesmo do USTR, com quem o governo brasileiro vinha mantendo contato desde o início do ano. Em vez disso, continua o integrante do governo, a decisão parece ter sido tomada por um grupo mais próximo ao presidente e politicamente vinculado à família Bolsonaro. Essa influência política estaria sendo potencializada pela atuação do deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que se mudou para os Estados Unidos no início do ano. Ao mesmo tempo, equipes do Ministério da Fazenda, do MDIC e da Presidência da República continuam estudando medidas a serem utilizadas para uma eventual retaliação prometida por Lula. Em seu pronunciamento em rede nacional de TV, na semana passada, Lula disse que o país buscaria formas de reagir às tarifas. Ele classificou as tarifas como uma "chantagem inaceitável". "Se necessário, usaremos todos os instrumentos legais para defender a nossa economia. Desde recursos à Organização Mundial do Comércio até a Lei da Reciprocidade, aprovada pelo Congresso Nacional", disse o presidente. Ainda na semana passada, o petista mencionou que o governo avalia aumentar a taxação de plataformas de tecnologia. "O mundo tem que saber uma coisa: esse país só é soberano porque o povo brasileiro tem orgulho desse país. Eu queria dizer para vocês que a gente vai julgar e vai cobrar impostos das empresas americanas digitais", disse Lula em um evento da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Goiânia, na quinta-feira (18/7). A medida, porém, parece não ser consenso dentro do governo. Após a fala do presidente, no sábado (19/7), o Ministério da Fazenda postou uma mensagem em suas redes sociais negando a proposta. "O Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, nega que o governo brasileiro esteja avaliando a adoção de medidas mais rigorosas de controle sobre os dividendos como forma de retaliação às taxas adotadas pelos Estados Unidos e reafirma que essa possibilidade não está em consideração", disse a postagem. Um interlocutor do presidente ouvido pela reportagem afirmou que o governo não pretende divulgar informações sobre os setores que podem vir a ser retaliados antes que a decisão já tenha sido fechada e aprovada pelo presidente. Segundo ele, como o cenário é imprevisível e novas tarifas ou sanções não estão descartadas, o governo quer evitar dar pistas sobre que rumos pretende tomar como retaliação. Apesar disso, rumores apontam que o governo poderia retaliar os Estados Unidos em áreas como a quebra de patentes de medicamentos ou na de direitos autorais de produtos audiovisuais. Por que o PIX virou alvo de Trump em investigação comercial contra o Brasil?